Se você é uma daquelas pessoas que costuma jantar muito tarde por causa da rotina puxada, provavelmente já se perguntou se isso faz algum mal ao organismo. A correria do dia, o trânsito, o trabalho e as tarefas acumuladas acabam empurrando a última refeição para perto da hora de dormir — mas o hábito pode interferir no modo como o corpo funciona durante a noite. Vamos entender mais, a seguir.
O que acontece com o corpo quando comemos muito tarde?
A digestão noturna funciona de um jeito diferente porque o organismo segue um relógio natural, chamado ritmo circadiano, que reduz o metabolismo durante a noite. De acordo com a cardiologista Juliana Soares, quando escurece, o corpo começa a produzir melatonina, o hormônio do sono, que coloca o pâncreas em estado de descanso.
Como o pâncreas libera a insulina, hormônio que ajuda a metabolizar o açúcar, comer tarde cria um descompasso entre a chegada do alimento e a capacidade do corpo de lidar com ele, já que o organismo reduz o ritmo metabólico à noite.
Com isso, a cardiologista explica que a glicose permanece mais tempo circulando, e o pâncreas precisa trabalhar justamente quando deveria repousar, mas com menor eficiência. A liberação de insulina se torna mais lenta e menos eficaz, o que favorece o acúmulo de açúcar no sangue, o início da resistência insulínica e o aumento da gordura corporal.
Comer tarde aumenta o risco de diabetes e pressão alta?
Como a eficiência da insulina é menor durante a noite, há maior chance de o açúcar permanecer circulando no sangue (hiperglicemia), um efeito que pode se estender por toda a noite.
Se isso acontece repetidamente, Juliana esclarece que o corpo passa a desenvolver resistência à insulina. O organismo entende que precisa produzir quantidades cada vez maiores do hormônio para metabolizar a glicose disponível, o que, com o tempo, pode evoluir para diabetes tipo 2.
No caso da pressão arterial, durante a noite, acontece um processo natural chamado descenso noturno, fundamental para a regulação do sistema cardiovascular.
Quando comemos muito tarde, a digestão mantém o organismo ativo e exige maior fluxo de sangue para o estômago, mantendo a pressão elevada mesmo durante o sono. A ausência dessa queda natural da pressão pode aumentar o risco de eventos como infarto e AVC.
Por que não pode comer e dormir logo em seguida?
O corpo não está preparado para realizar digestão intensa no momento em que deveria iniciar os processos de descanso e recuperação.
A digestão exige gasto de energia, aumento do fluxo sanguíneo para o estômago e elevação da temperatura interna, enquanto o sono profundo depende justamente do contrário: redução da atividade metabólica e queda da temperatura corporal.
Quando você deita logo após comer, alguns efeitos costumam ocorrer, como:
- Digestão fica mais lenta e difícil, já que o estômago funciona melhor na posição vertical;
- Temperatura interna aumenta, dificultando a entrada no sono profundo;
- Sono se torna mais leve e fragmentado, levando a cansaço no dia seguinte;
- Cortisol tende a subir pela manhã, porque o corpo precisa de estímulos extras para se manter alerta após uma noite de descanso ruim, favorecendo acúmulo de gordura abdominal;
- Risco de refluxo aumenta, porque deitar logo após a refeição facilita o retorno do ácido ao esôfago.
Qual deve ser o intervalo ideal entre a última refeição e o sono?
Segundo Juliana, o recomendado é que a última refeição seja feita pelo menos três horas antes de dormir. O intervalo é suficiente para permitir o esvaziamento gástrico e para que os níveis de insulina e glicose diminuam após o processo de metabolização.
O que deve ser evitado na refeição da noite?
O horário da refeição é importante, mas o tipo de alimento pode intensificar ainda mais os efeitos no organismo.
Juliana explica que carboidratos refinados, açúcares e gorduras saturadas são particularmente prejudiciais quando ingeridos à noite porque têm maior capacidade de desregular o relógio biológico, aumentar rapidamente a glicose e exigir um esforço maior do metabolismo justamente no período em que o corpo naturalmente reduz o ritmo.
Quando não é possível comer mais cedo, seja por festas, imprevistos ou compromissos, a orientação é escolher refeições mais leves, de fácil digestão e com impacto menor na glicemia — como proteínas magras, vegetais, sopas e preparações simples.
Além disso, optar por porções menores, mastigar com calma e evitar alimentos muito gordurosos ou ricos em carboidratos simples pode diminuir a sobrecarga sobre o sistema digestivo.
Ao longo do dia, beber água e evitar bebidas alcoólicas próximas ao horário de dormir também contribui para uma digestão mais confortável e um descanso melhor, reduzindo os efeitos negativos de uma refeição tardia.
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Perguntas frequentes
Deitar depois de comer é perigoso?
O hábito de deitar logo após comer favorece o refluxo gastroesofágico, já que a posição horizontal facilita o retorno do conteúdo ácido para o esôfago. O estômago cheio também pressiona o esfíncter esofágico inferior, que funciona como uma válvula.
Quando deitamos com o estômago ativo, aumentamos o risco de azia, sensação de queimação, tosse noturna e engasgos. Também prejudicamos a qualidade do sono, pois o corpo tenta digerir alimentos enquanto deveria iniciar o descanso metabólico.
Quais são os melhores alimentos para comer à noite?
À noite, o ideal é escolher alimentos de fácil digestão e com impacto menor na glicemia, como as proteínas magras. Elas não sobrecarregam o sistema digestivo, não elevam a glicose rapidamente e permitem que o organismo entre no descanso mais facilmente.
Comer tarde engorda?
O ganho de peso não é causado apenas pelo hábito de comer tarde, mas ele contribui para isso quando se torna frequente. Como o metabolismo está mais lento à noite, o corpo queima menos calorias enquanto digere o alimento.
A liberação limitada de insulina também faz com que a glicose circule por mais tempo, favorecendo o armazenamento de gordura, especialmente na região abdominal.
Para complementar, o sono piorado por refeições tardias altera hormônios da fome, como grelina e leptina, aumentando o apetite e diminuindo a saciedade no dia seguinte.
O metabolismo de pessoas que trabalham à noite funciona de maneira diferente?
O metabolismo de pessoas que trabalham à noite funciona de maneira alterada devido ao desalinhamento entre o ritmo circadiano interno e o horário de atividade laboral. Eles tendem a se alimentar em horários que o corpo reconhece como horários de repouso, o que aumenta o risco de resistência à insulina, ganho de peso e alterações do colesterol.
Beliscar alimentos durante a madrugada é perigoso?
Como o corpo está em ritmo de repouso e o metabolismo funciona de forma muito lenta, o hábito de beliscar alimentos na madrugada aumenta o risco de refluxo, piora do sono, ganho de gordura abdominal e desregulação da glicemia.
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