Seja para colocar as notícias em dia ou para distrair as crianças durante as refeições, o uso de telas (celular, televisão ou tablets) enquanto se come se tornou rotina de várias famílias, ainda mais quando o dia a dia é atribulado.
Pode até parecer prático, já que o ambiente fica silencioso e tudo parece fluir com menos esforço, mas o hábito interfere diretamente na forma como o cérebro percebe o ato de comer.
Para se ter uma ideia, um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) mostrou que, quanto mais tempo os adolescentes passam diante de celulares, TVs ou tablets, pior tende a ser a alimentação deles. O uso prolongado de telas também está associado a um risco maior de sobrepeso e obesidade, além de menos atividade física, menos horas de sono e uma sensação geral de bem-estar mais baixa.
Durante as refeições, isso é especialmente prejudicial, pois a atenção se desloca totalmente para a tela, e o contato com o prato fica superficial. A mente entra em modo automático, e você come mais do que precisa sem notar, criando um padrão que favorece o excesso de calorias ao longo do dia.
O que o uso de telas faz com o cérebro durante a refeição?
Quando você come olhando para uma tela, o cérebro passa a concentrar quase toda a atenção no conteúdo que está sendo visto ou ouvido. A refeição deixa de ser uma experiência sensorial completa, porque mastigar, sentir a textura dos alimentos, perceber o sabor e engolir deixam de ser processados com clareza.
“Quando comemos distraídos, o único foco que temos é no que está sendo assistido ou jogado. Assim, o cérebro recebe menos informações sensoriais sobre o ato de comer (mastigar, engolir…) e, consequentemente, os sinais de saciedade demoram mais tempo para aparecer”, explica a nutricionista Mariana Del Bosco.
No caso das crianças, o uso de telas durante a refeição ativa o sistema dopaminérgico, ligado à sensação de recompensa. O estímulo visual e sonoro é tão marcante que toda a atenção se volta para o conteúdo da tela, deixando a comida em segundo plano.
A criança passa a perceber menos os sinais do próprio corpo, reduz a autorregulação e demora mais para identificar quando já está satisfeita. O resultado é uma refeição automática, com maior risco de comer além do necessário.
Comer na frente de telas interfere na qualidade da alimentação
Além de comer mais do que o necessário, a nutricionista explica que o hábito causa maior preferência por alimentos ultraprocessados e fáceis de consumir — durante um jogo, por exemplo, é muito mais simples comer um salgadinho ou biscoito do que um prato completo de comida.
O impacto é ainda maior em crianças pequenas, pois nessa fase, elas ainda estão formando a base do comportamento alimentar. Quando a refeição acontece sempre acompanhada de distração, o cérebro aprende a associar comida a estímulos externos, o que dificulta a construção de uma relação saudável com os alimentos.
Quais os riscos do hábito em crianças e adolescentes?
Quando a atenção da criança e adolescente se volta exclusivamente para o celular, a TV ou o tablet, o ato de comer deixa de ser consciente, abrindo espaço para problemas como:
- Comer além do necessário, já que os sinais de saciedade ficam mais difíceis de perceber;
- Mastigação rápida e insuficiente, o que pode causar desconforto e piorar a digestão;
- Preferência crescente por alimentos ultraprocessados, mais fáceis de consumir durante o uso de telas;
- Redução do interesse por frutas, legumes e preparações que exigem mais atenção;
- Associação entre comida e entretenimento, criando o hábito de comer por tédio e não por fome real;
- Aumento do risco de sobrepeso e obesidade ao longo do tempo;
- Dificuldade para desenvolver autonomia alimentar, especialmente nas fases iniciais da infância;
- Piora da qualidade geral da dieta, com escolhas menos nutritivas e maior ingestão calórica.
Vale apontar que os hábitos alimentares aprendidos na infância e na adolescência tendem a acompanhar a pessoa ao longo da vida, o que pode elevar o risco de problemas de saúde no futuro, como diabetes tipo 2, hipertensão, colesterol alto e obesidade.
Como criar um ambiente mais consciente na hora da refeição
A redução do uso de telas durante as refeições pode ser feita com pequenas mudanças no cotidiano, que ajudam a transformar o momento da comida em algo mais tranquilo. Veja algumas dicas:
- Fazer as refeições sempre à mesa, com todos sentados juntos, sem celular, TV ou tablet por perto;
- Estabelecer horários fixos para comer, criando uma rotina previsível que ajuda a criança a entender quando é hora da refeição;
- Servir porções menores no início, permitindo que a criança tenha autonomia para repetir se ainda estiver com fome;
- Envolver a criança em conversas durante a refeição, perguntando sobre o dia ou pedindo que ela conte alguma história;
- Usar pratos, copos e talheres infantis e coloridos, que chamem a atenção para o alimento e deixem o momento mais interessante;
- Quando possível, convidar a criança para participar do preparo dos alimentos, o que aumenta o vínculo com a comida e estimula a curiosidade pelos ingredientes.
“Lembrando que a criança aprende a comer por exemplificação, então é muito importante que ela consiga se basear nos pais”, complementa Mariana.
Quando buscar orientação de um profissional de saúde
A busca por orientação profissional pode ser necessária quando o uso de telas durante as refeições começa a interferir na rotina alimentar, no comportamento ou na saúde da criança ou do adolescente.
Os ajustes no dia a dia costumam ajudar, mas alguns sinais mostram que o apoio de um nutricionista, pediatra ou psicólogo pode ser necessário, como:
- Dificuldade constante de comer sem telas, com irritação intensa ou recusa alimentar quando o aparelho é retirado;
- Aumento rápido de peso ou risco de sobrepeso e obesidade;
- Perda de apetite ou preferência quase exclusiva por alimentos ultraprocessados;
- Problemas frequentes de digestão, como dores abdominais, engasgos ou mastigação insuficiente;
- Uso de telas em todas as refeições, mesmo após tentativas de mudança da rotina.
O acompanhamento profissional ajuda a entender o comportamento alimentar, ajustar hábitos familiares e orientar estratégias adequadas para cada idade. Com o tempo, é possível criar uma relação mais saudável com a comida, prevenindo o surgimento de problemas futuros à saúde.
Qual o tempo máximo recomendado de telas para crianças?
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o limite de tempo para crianças estarem em contato com esses aparelhos são determinados pela faixa etária, sempre com supervisão:
- Menores de 2 anos: nenhum contato com telas ou videogames;
- Dos 2 aos 5 anos: até uma hora por dia;
- Dos 6 aos 10 anos: entre uma e duas horas por dia;
- Dos 11 aos 18 anos: entre duas e três horas por dia.
Para substituir o uso de telas, o ideal é incentivar esportes, brincadeiras ao ar livre e contato com a natureza. As atividades físicas e ambientes externos oferecem estímulos mais variados, ajudam a gastar energia, melhoram o humor e fortalecem a convivência com outras crianças.
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Perguntas frequentes
Comer na frente de telas também é ruim para adultos?
O comportamento afeta pessoas de todas as idades, pois a distração durante a refeição reduz a atenção plena ao alimento, aumenta a ingestão calórica e favorece escolhas menos nutritivas.
Os adultos que comem diante de celulares ou televisões também têm maior risco de exagerar nas porções e sentir fome novamente pouco tempo depois. A ausência de presença na hora da comida prejudica qualquer faixa etária, apesar do impacto sobre o desenvolvimento infantil ser mais significativo.
O que fazer quando a criança só aceita comer com tela?
A mudança precisa ser gradual, já que a retirada brusca da tela pode gerar frustração intensa na criança. Uma dica é reduzir o tempo de exposição durante a refeição ou desligar a tela apenas em momentos específicos, aumentando esse intervalo progressivamente.
Comer com tela pode prejudicar o sono?
O uso frequente de telas, especialmente no período da noite, interfere no sono por causa da luz azul emitida pelos aparelhos, que reduz a produção de melatonina.
Quando o hábito se associa às refeições tardias, o corpo recebe estímulos demais no momento em que deveria estar desacelerando. O cérebro permanece ativo, processando imagens e sons, e a digestão fica mais pesada, dificultando o adormecer.
Como consequência, as crianças e adolescentes tendem a dormir mais tarde, ter despertares frequentes e apresentar cansaço durante o dia.
Por que comer distraído prejudica a digestão?
A mastigação reduzida é um dos efeitos imediatos da distração. Pedaços maiores chegam ao estômago, dificultando a digestão e aumentando a possibilidade de refluxo, gases e desconforto abdominal.
Além disso, o corpo não entra totalmente no estado de “modo digestivo”, no qual hormônios e enzimas são liberados de forma mais eficiente. A refeição automática resulta em digestão mais lenta e incômoda.
Qual o horário ideal do jantar das crianças à noite?
O horário ideal do jantar das crianças à noite costuma ser cerca de três horas antes de dormir, porque o organismo precisa de tempo para digerir a refeição com calma, evitando refluxo, desconforto abdominal e sono agitado.
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