Autor: Dra. Fernanda Tasso Borges Fernandes

  • Obesidade: por que é considerada uma doença crônica?

    Obesidade: por que é considerada uma doença crônica?

    Em um ritmo acelerado, o Brasil caminha para se tornar um país em que o excesso de peso será a realidade da maior parte da população. Em vinte anos, se a tendência permanecer, dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontam que 48% dos brasileiros serão obesos e outros 27% estarão com sobrepeso.

    Hoje, o Ministério da Saúde indica que um em cada três brasileiros vive com obesidade — e que mais da metade dos moradores das capitais apresenta excesso de peso. Apesar dos números elevados, ainda há grande dificuldade em entender o problema com a seriedade necessária.

    “Durante décadas, o excesso de peso foi explicado apenas como um problema de escolhas pessoais, ignorando a biologia e o ambiente. Essa visão simplista reforça o estigma e faz com que muitas pessoas com obesidade sofram culpa e discriminação, inclusive no sistema de saúde”, aponta a médica de família e comunidade, Fernanda Tasso Borges Fernandes.

    Segundo a especialista, existem evidências sólidas de que, isoladamente, a força de vontade não é capaz de superar os mecanismos biológicos que tendem a levar o corpo de volta ao peso anterior. A obesidade é uma doença em que fatores hormonais, genéticos e ambientais trabalham para manter o organismo em um patamar elevado de peso, mesmo quando a pessoa tenta mudar hábitos. É o que nós vamos entender mais, a seguir.

    Por que a obesidade é considerada uma doença crônica?

    A obesidade, que passou a ser considerada uma doença crônica pela American Medical Association em 2013, envolve alterações biológicas, genéticas, hormonais, ambientais e comportamentais que fazem o corpo defender um peso mais alto, mesmo quando a pessoa tenta emagrecer.

    Para se ter uma ideia, dados da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, mostram que cerca de 90% das pessoas que perdem peso acabam recuperando grande parte do que foi eliminado. O organismo passa a funcionar em um padrão que favorece acúmulo de gordura e torna o tratamento contínuo, assim como acontece em casos de hipertensão ou diabetes.

    “O excesso de peso não é apenas resultado de ‘comer demais’: há mudanças na regulação do apetite, no gasto energético e nos hormônios que controlam fome e saciedade. Assim como a hipertensão ou o diabetes, a obesidade não tem cura definitiva, mas pode ser controlada com acompanhamento médico, hábitos saudáveis e, em alguns casos, medicações”, explica Fernanda.

    Segundo o Ministério da Saúde, a obesidade é um importante fator de risco para diversas doenças, porque o acúmulo excessivo de gordura altera o funcionamento do organismo e favorece processos inflamatórios, resistência à insulina, aumento da pressão arterial e desequilíbrios hormonais.

    Isso aumenta a probabilidade de desenvolver diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares, apneia do sono, alguns tipos de câncer e problemas articulares. Quanto maior o tempo de exposição ao excesso de peso, maior tende a ser o impacto sobre a saúde, o que reforça a necessidade de acompanhamento contínuo e intervenções precoces.

    Quais fatores influenciam na obesidade?

    Existem diversos fatores que influenciam o desenvolvimento da obesidade, e a maioria deles atua de forma combinada ao longo do tempo.

    Segundo Fernanda, o peso corporal é regulado por um sistema biológico complexo que envolve o cérebro, principalmente estruturas como o hipotálamo, e uma rede de hormônios responsável por informar ao corpo quando há energia suficiente ou quando é necessário comer. A médica cita alguns exemplos:

    • Leptina: produzida pelo tecido adiposo, normalmente reduz o apetite, mas em pessoas com obesidade o organismo pode se tornar resistente à sua ação;
    • Grelina: conhecida como o “hormônio da fome”, aumenta antes das refeições e diminui após comer, porém, em quem emagrece, tende a permanecer elevada, estimulando o apetite;
    • Insulina: além de controlar a glicose, exerce papel importante no armazenamento de gordura;
    • Cortisol e hormônios sexuais: modulam a distribuição e o acúmulo de gordura no corpo.

    Em pessoas com tendência à obesidade, esses sinais podem funcionar de modo alterado, dificultando o controle natural do apetite e do gasto energético. Ao mesmo tempo, os fatores externos têm influência tão importante quanto a genética — e acabam definindo se uma predisposição biológica vai, de fato, se tornar uma doença.

    “Pesquisas indicam que fatores genéticos podem explicar até 70% da tendência individual ao ganho de peso, influenciando desde o apetite e o gasto calórico até a forma como o corpo armazena gordura. No entanto, essa predisposição só se transforma em doença quando o corpo é exposto a um ambiente que favorece o ganho de peso — com alimentos ultraprocessados, sono insuficiente, estresse crônico e pouca atividade física”, aponta Fernanda.

    E qual o papel do cérebro?

    O cérebro participa de maneira direta na regulação do peso corporal, controlando fome, saciedade e prazer relacionado à comida. O hipotálamo funciona como centro de comando, ajustando apetite e gasto energético a partir de sinais enviados por hormônios como leptina e grelina — que, como já explicado, informam se há energia suficiente ou se é hora de buscar alimento.

    Além disso, as áreas ligadas ao sistema de recompensa influenciam o prazer e a motivação para comer, principalmente quando o ambiente oferece alimentos ricos em gordura, açúcar e sal.

    Por esse motivo, o tratamento da obesidade também envolve estratégias que ajudam o cérebro a desenvolver novas respostas — percebendo melhor os sinais de saciedade, reconhecendo os gatilhos emocionais e reduzindo a busca automática por comida.

    Obesidade tem cura?

    A obesidade é uma doença crônica, então não tem uma cura definitiva, mas pode ser controlada a partir de acompanhamento contínuo. O tratamento, além de reduzir o peso, também visa manter os resultados a longo prazo.

    Quando o peso diminui, o corpo reduz o gasto energético e aumenta o apetite para tentar recuperar o que perdeu. Por isso, Fernanda ressalta que interromper o tratamento pode levar à recidiva em grande parte dos casos.

    “Com seguimento médico, alimentação adequada, atividade física e, quando indicado, uso de medicamentos, é possível controlar a doença, reduzir riscos e melhorar a qualidade de vida de forma sustentável”, finaliza a médica de família.

    Confira: Canetas emagrecedoras: como evitar deficiências nutricionais?

    Perguntas frequentes sobre obesidade

    Qual é a diferença entre obesidade e sobrepeso?

    A diferença entre obesidade e sobrepeso está principalmente na quantidade de gordura acumulada e no impacto que isso causa na saúde.

    Sobrepeso é quando a pessoa apresenta acúmulo de gordura maior do que o considerado ideal, mas ainda sem ultrapassar limites que elevem de forma marcante o risco de doenças. Para o sobrepeso, o IMC fica entre 25 e 29,99;

    Obesidade corresponde a um aumento mais significativo desse acúmulo, a ponto de alterar o funcionamento do organismo, favorecer inflamação crônica, desequilibrar hormônios ligados ao apetite e elevar de maneira importante a probabilidade de desenvolver problemas de saúde. Para a obesidade, o IMC é a partir de 30.

    Apesar do IMC ser uma ferramenta bastante usada para distinguir ambas as condições, outros fatores (como composição corporal, distribuição de gordura e histórico clínico) também entram no diagnóstico. A diferença fundamental é que obesidade é considerada uma doença crônica que exige acompanhamento contínuo, enquanto sobrepeso é um estágio que pode evoluir ou ser revertido com tratamento adequado.

    Quais doenças podem estar associadas à obesidade?

    A obesidade aumenta o risco de várias condições, especialmente quando o corpo permanece por anos em estado de inflamação crônica causada pelo excesso de gordura. Entre elas, é possível destacar:

    • Diabetes tipo 2;
    • Hipertensão;
    • Doenças cardiovasculares;
    • Apneia do sono;
    • Gordura no fígado;
    • Refluxo;
    • Problemas articulares;
    • Infertilidade;
    • Irregularidade menstrual;
    • Determinados tipos de câncer.

    Por que é tão difícil manter o peso perdido?

    Quando alguém emagrece, o corpo interpreta o processo como ameaça à sobrevivência e aciona mecanismos de defesa. Então, o gasto energético diminui, a fome aumenta, a grelina permanece elevada e a leptina perde eficiência.

    Além disso, os músculos passam a usar energia de forma mais econômica, dificultando a manutenção do novo peso. Tudo isso faz com que a pessoa precise de acompanhamento contínuo para manter resultados.

    O que causa o efeito sanfona em quem tem obesidade?

    O efeito sanfona ocorre quando a pessoa perde peso rapidamente e recupera logo em seguida, repetindo esse ciclo várias vezes. Isso acontece porque dietas rígidas e de baixa caloria fazem o corpo interpretar a perda de peso como ameaça, reduzindo metabolismo, aumentando fome e estimulando mecanismos naturais de economia de energia.

    Quando a alimentação volta ao normal, o corpo repõe o peso perdido com rapidez, muitas vezes ultrapassando o valor inicial. Em pessoas com obesidade, o efeito sanfona é ainda mais intenso porque o organismo já opera com hormônios desregulados e maior tendência ao acúmulo de gordura. O ciclo repetido compromete o metabolismo, aumenta inflamação e dificulta a manutenção do peso no longo prazo.

    Obesidade pode causar problemas no coração?

    Sim, pois o acúmulo de gordura aumenta a inflamação, eleva pressão arterial e o colesterol, favorece resistência à insulina e sobrecarrega o sistema cardiovascular. O coração precisa trabalhar mais para bombear sangue, o que contribui para insuficiência cardíaca, arritmias e doença arterial coronariana.

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