Autor: Dr. Marcelo Dratcu

  • Como pensamentos automáticos influenciam suas escolhas de saúde 

    Como pensamentos automáticos influenciam suas escolhas de saúde 

    Nos bastidores das nossas decisões diárias, como o que comer, a hora de dormir, se vale ou não tomar um remédio, existe um mecanismo discreto que influencia muito mais do que parece: os pensamentos automáticos distorcidos da realidade, chamados de erros cognitivos. Eles surgem de forma instantânea, quase invisível, e moldam comportamentos, emoções e até nossa relação com a própria saúde.

    Criados para nos proteger de perigos reais, como acontecia com o homem das cavernas diante de um predador, esses pensamentos hoje são ativados em situações corriqueiras, como entrevistas de emprego ou consultas médicas, e podem gerar ansiedade, medo e procrastinação.

    O médico especializado em medicina comportamental e fundador do Instituto CALM, Marcelo Dratcu, conta que, quando não são reconhecidos, esses padrões mentais podem comprometer desde o sono e a alimentação até a adesão a tratamentos importantes.

    Porém, dá para identificar, compreender e treinar a mente para que esses pensamentos deixem de sabotar o corpo e se tornem aliados da saúde.

    O que são erros cognitivos e pensamentos automáticos

    Os chamados erros cognitivos são aquelas ideias espontâneas distorcidas da realidade que aparecem de repente, sem aviso. Segundo o médico Marcelo Dratcu, eles nascem do nosso “modo de sobrevivência” — o sistema córtico-talâmico-adrenal, que compreende um conjunto de estruturas cerebrais, como o sistema límbico, as amígdalas e o hipocampo, e é programado para reagir rapidamente diante de ameaças.

    No passado, ver um predador exigia fugir ou lutar, e o corpo reagia com aceleração do coração, tensionamento muscular, suor, dilatação das pupilas e um estado de alerta total. Hoje, o mesmo mecanismo aparece em situações sem risco real, como uma entrevista de emprego.

    “A pessoa está sentada, mas o cérebro age como se houvesse um leão por perto”, diz o médico. O elo entre o que acontece e a reação é o pensamento que se forma: “se eu não passar, não pago as contas e vou fracassar”.

    Essas reações são úteis quando há perigo, mas em geral viram atalhos mentais negativos — os chamados erros cognitivos. Segundo o especialista, eles moldam nossas escolhas, influenciam a forma de cuidar da saúde e podem até sabotar o tratamento de doenças.

    Exemplos de pensamentos automáticos

    O médico cita três distorções muito comuns:

    • Pressuposição: “Meu colega não me cumprimentou, deve estar com raiva de mim”;
    • Adivinhação: “Esse exame vai dar ruim, tenho certeza”;
    • Personalização: “Toda vez que eu vou à praia, chove”.

    Esses pensamentos surgem com aparência de verdade, mas raramente refletem a realidade. Eles são uma tentativa mal-adaptada do cérebro de proteger o indivíduo e acabam gerando ansiedade, estresse e decisões inadequadas.

    Como eles interferem no corpo e nos hábitos

    Os pensamentos automáticos podem afetar áreas básicas da rotina:

    • Sono: ideias como “dormir é perda de tempo” e preocupações constantes mantêm o cérebro em alerta, dificultando o descanso;
    • Alimentação: o estresse e a ansiedade aumentam a busca por comidas que trazem conforto, como doces e ultraprocessados, além de reforçar mitos que impedem escolhas equilibradas;
    • Atividade física: crenças negativas como “não vou dar conta” e “não é pra mim” criam barreiras antes mesmo de começar.

    Quando eles atrapalham a adesão a tratamentos

    Pensamentos automáticos também interferem na adesão aos cuidados com a saúde e condutas médicas. Alguns exemplos reais citados pelo médico:

    • “Se eu começar esse remédio, nunca mais vou parar”;
    • “Ouvi dizer que tem muito efeito colateral”;
    • “Esse remédio vai baixar minha pressão, então não vou tomar”.

    Muitos pacientes também são influenciados por boatos e desinformação, como ocorreu no período da vacinação contra a covid-19. O medo se estende a exames e procedimentos: há quem evite cirurgias por imaginar o pior, quem rejeite o CPAP por achar que não vai dormir e quem tema a ressonância magnética por medo de ficar sem ar.

    Tudo isso leva à interrupção de tratamentos e à piora de doenças crônicas, como diabetes e pressão alta.

    Como identificar e corrigir esses padrões

    Do ponto de vista clínico, o médico é direto: só um profissional experiente na área comportamental consegue avaliar corretamente e nomear o tipo de pensamento distorcido. Familiares e colegas, porém, podem ficar atentos a alguns sinais de alerta:

    • A pessoa evita algo que claramente a ajudaria, como exame, consulta ou uso de CPAP;
    • Muda rotinas ou cria desculpas para adiar;
    • Demonstra medo desproporcional e irritação ao falar do assunto.

    Esses comportamentos são sinais de que o pensamento automático distorcido pode estar ditando o comportamento.

    Técnicas que ajudam a driblar o pensamento automático

    O médico lista as abordagens que utiliza em consultório:

    • Reestruturação cognitiva: reconhecer o pensamento distorcido e substituí-lo por uma interpretação mais realista;
    • Aceitação e Compromisso (ACT) e atenção plena: ajudam a lidar com emoções difíceis e agir de acordo com valores pessoais;
    • Estratégias somáticas, como biofeedback de variabilidade da frequência cardíaca (HRV): sensores medem a resposta do corpo ao estresse e permitem treinar o controle fisiológico com jogos interativos.

    Segundo ele, o biofeedback não serve apenas para avaliar, mas também como uma forma de treinar o corpo e a mente ao identificar a estratégia que realmente funciona para cada pessoa.

    Por onde começar

    Reconhecer um pensamento automático já é um primeiro passo. O médico sugere nomear o que vem à mente, checar evidências e buscar uma interpretação mais realista. Se o corpo reagir, faça uma pausa, respire, beba água e caminhe, pois pequenas ações quebram o ciclo do estresse.

    Quando o padrão é frequente ou causa prejuízo, ele recomenda buscar acompanhamento especializado, especialmente com profissionais da ciência comportamental na saúde, com expertise em terapias cognitivo-comportamentais, racional-emotiva, ACT ou biofeedback.

    Leia mais: 7 dicas de um médico para ser mais produtivo e ter menos estresse

    Perguntas frequentes sobre pensamentos automáticos

    1. Pensamentos automáticos são sempre negativos?

    Não, mas os que atrapalham costumam ser. O médico cita adivinhação, personalização e pressuposição como os principais.

    2. Eles podem tirar meu sono?

    Sim. Distorções mantêm o cérebro em alerta, dificultando dormir, e isso piora tudo no dia seguinte.

    3. Como saber se estou evitando alguma coisa por medo?

    Observe esquivas sem explicação (adiar exame, fugir de consulta), medos excessivos incomuns e padrões repetidos. Familiares e colegas podem notar.

    Confira: Dopamina: como ela pode ser responsável pelas suas decisões

  • 7 dicas de um médico para ser mais produtivo e ter menos estresse 

    7 dicas de um médico para ser mais produtivo e ter menos estresse 

    Produtividade não significa fazer mais tarefas em menos tempo. Do ponto de vista da medicina comportamental, o segredo é fazer o que importa com equilíbrio físico e mental — e isso já leva a um desempenho muito maior, sem pagar o preço do burnout.

    A seguir, o médico especializado na área, Marcelo Dratcu, explica o que a ciência já sabe sobre foco, energia e desempenho, e como pequenas mudanças na rotina podem render muito mais do que café e força de vontade.

    O que é a medicina comportamental e como ela ajuda na produtividade

    A medicina comportamental é uma área que aplica os princípios da ciência do comportamento à saúde. Diferente da medicina tradicional, que apenas orienta o que fazer, essa abordagem ensina estratégias práticas para colocar em ação hábitos que melhoram o bem-estar físico e mental — como sono, alimentação, movimento, controle do estresse e adesão aos tratamentos médicos.

    Segundo o médico Marcelo Dratcu, especialista em medicina comportamental e fundador do Instituto CALM, o foco está nas decisões compartilhadas entre médico e paciente. Assim, a mudança de hábito não depende apenas de força de vontade, mas de técnicas que tornam o processo prazeroso e constante.

    Confira as principais dicas do especialista:

    1. Priorize o sono: ele é o maior “hack” de produtividade

    Durante o sono, corpo e mente se reorganizam. Os hormônios se equilibram, os músculos relaxam e a memória se consolida. Dormir pouco para “ganhar tempo” compromete a atenção, o raciocínio e o controle emocional.

    Como dormir melhor:

    • Mantenha horários regulares de sono;
    • Evite cafeína após o meio da tarde;
    • Diminua a luminosidade e o brilho das telas;
    • Desligue dispositivos eletrônicos antes de dormir;
    • Prefira um quarto escuro, ventilado e silencioso.

    “O sono é super subestimado, mas é ele que prepara o corpo e o cérebro para funcionar bem durante o dia”, explica Dratcu.

    2. Mexa o corpo — mesmo que não vá à academia

    Antes de pensar em treinar, pense em se movimentar. O corpo humano foi feito para se mexer, e longos períodos sentado favorecem o cansaço e a perda de energia.

    Exemplos simples de movimento:

    • Levantar-se a cada hora;
    • Subir escadas em vez de usar o elevador;
    • Caminhar após o almoço;
    • Dançar, tocar instrumentos ou brincar com as crianças.

    De acordo com o médico, 150 a 300 minutos semanais de atividade leve já transformam a saúde e a disposição, quando distribuídos ao longo da semana.

    3. Faça pausas curtas ao longo do dia

    Pausas estratégicas aumentam o foco e reduzem o cansaço mental. “É como reiniciar um computador que travou”, compara Dratcu.

    Alguns minutos longe da tela ajudam a:

    • Evitar dores de cabeça e problemas de postura;
    • Reduzir tensão muscular e fadiga ocular;
    • Recuperar energia e concentração.

    Vale levantar, respirar fundo, olhar pela janela ou se alongar. O importante é interromper o modo automático e dar um reset na mente.

    4. Tenha momentos de prazer todos os dias

    Produtividade não combina com esgotamento. Reservar alguns minutos diários para o prazer é essencial. Ouvir música, conversar com alguém querido, sentar ao ar livre ou assistir a uma série ajudam a reduzir o estresse e a recuperar o equilíbrio emocional.

    Segundo o especialista, “um dos hábitos mais importantes é o de sentir satisfação no dia a dia, mesmo que o tempo seja curto”.

    5. Cuide da saúde emocional e dos relacionamentos

    Relacionamentos saudáveis e boa comunicação têm impacto direto na produtividade. Técnicas usadas nas terapias cognitivo-comportamental, dialética e racional-emotiva ajudam a lidar melhor com conflitos e emoções difíceis.

    Menos estresse significa mais clareza, foco e produtividade — tanto na vida pessoal quanto no trabalho.

    6. Combata a procrastinação com recompensas pequenas

    Procrastinar é comum, mas tem solução. O segredo está em entender o próprio perfil e usar a neurociência a favor.

    Dicas para vencer a procrastinação:

    • Divida grandes tarefas em partes menores;
    • Intercale atividades difíceis com pequenas recompensas (como uma pausa ou um café);
    • Crie um plano de ação simples e visualize seu progresso;
    • Comece pelo mínimo viável: poucos minutos já mudam o ritmo mental.

    Se o padrão de adiamento for constante, procure ajuda profissional. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem bons resultados nesse tipo de caso.

    7. Planeje antes de agir e evite o impulso de “fazer logo”

    Um erro comum é agir no impulso, sem planejar. Fazer pausas curtas para definir o que, como e por que fazer algo ajuda a evitar retrabalho e melhora a qualidade do resultado.

    Outros erros apontados pelo médico:

    • Confundir rapidez com produtividade — mais horas não significam melhores resultados;
    • Ignorar corpo e mente — saúde física e mental caminham juntas;
    • Automedicar-se com estimulantes para TDAH sem diagnóstico — pode causar irritabilidade, insônia e queda de desempenho.

    Equilíbrio é o novo conceito de ser produtivo

    A verdadeira produtividade vem de consistência e autocuidado, não de exaustão. Com sono adequado, movimento diário, pausas regulares e atenção à saúde emocional, é possível render mais e viver melhor — sem depender de cafeína ou remédios milagrosos.

    Leia também: Deficiências nutricionais em adultos: aprenda a identificar sinais no dia a dia e prevenir riscos

    Perguntas frequentes sobre produtividade

    1. O que é medicina comportamental?

    É uma área que aplica a ciência do comportamento à saúde e ajuda a transformar orientações médicas em hábitos reais e sustentáveis.

    2. Dormir bem realmente aumenta a produtividade?

    Sim. O sono regula hormônios, melhora a memória, o humor e a capacidade de foco durante o dia.

    3. Preciso ir à academia para me movimentar?

    Não. Atividades simples como caminhar, subir escadas ou dançar já trazem benefícios à disposição e à saúde.

    4. Pausas atrapalham o trabalho?

    Pelo contrário. Pausas curtas melhoram a concentração, previnem dores físicas e mantêm o desempenho constante.

    5. Como vencer a procrastinação?

    Divida as tarefas, celebre pequenas conquistas e, se o padrão persistir, procure ajuda profissional para aprender técnicas eficazes de mudança de comportamento.

    6. Estresse pode diminuir o rendimento?

    Sim. O estresse prejudica foco, memória, atenção e humor. Aprender a gerenciá-lo é essencial para manter o desempenho e o equilíbrio.

    7. Tomar remédios para TDAH sem diagnóstico ajuda na produtividade?

    Não. Pode piorar o desempenho, causar insônia e aumentar a ansiedade. A produtividade saudável depende de equilíbrio, descanso e hábitos sustentáveis.

    Leia mais: Higiene do sono: guia prático para dormir melhor e cuidar da saúde